Eu devo ser feliz?

Sobre positividade, autodestruição, e o caminho de autoconhecimento.

Pamela Ribeiro
4 min readSep 23, 2020

Este é um texto que perpassa pela minha vivência como mulher preta, se você de alguma forma se identificar, sinta-se completamente abraçado.

Hoje foi um desses dias difíceis, não sei exatamente em que momento coloquei o pé para fora da cama e me vi amuada. Eu não tenho medo de vir aqui e falar das minhas vulnerabilidades, fraquezas, aliás, acredito que em tempos como estes a gente precisa tornar natural um monte de temas que só emperram a nossa marcha.

E é que para mim as palavras carregam grande potencial mágico, tudo pode e é transformado por elas, assim como nossos pensamentos. E eu vou compartilhar uma parte com vocês.

Um dia frio, nublado, chuvoso, primavera chegou e sol está em libra. Eu? Desequilibrada total, bateu no ascendente em libra aqui e voltou. Risos. Hoje esse dia é estranho e dolorido, dolorido porque eu simplesmente aprendi a sentir dor, eu sei viver em dor.

Como assim? O que você está falando? Eu estou falando que dentro de minha perspectiva preta, eu sei sentir dor, eu acostumei com ela como a gente se acostuma com um remédio que precisa ser tomado todo dia, eu não sei ser feliz.

Lembram do texto sobre positividade? Pois é, nesse passo eu penso sobre como esse movimento não chega na minoria, e lendo alguns relatos eu entendi que… pessoas marginalizadas, geralmente, não fazem ideia do que é felicidade, e quando de alguma forma ela está chegando, batendo na nossa porta pedindo para entrar, é como um ser mal intencionado, que vem para te oferecer algo que tu até desconfia, desconfia porque é bom demais para ser verdade, certo?

E tinha que ser ruim? Porque se fosse ruim, você poderia dizer “tá vendo, eu sabia…”. Isso não me parecer adequado.

Eu não sei ser feliz, mas de um tempo para cá tenho percebido que eu também sinto medo de ser feliz. Eu tenho sentido medo de me expressar positivamente, não porque eu acredite que temos sempre que mostrar as coisas ruins que estão acontecendo, a realidade que nos cerca, não… definitivamente não é sobre isso.

Mas, por tanto tempo tendo o meu lugar garantido na casinha das dores só me restava contempla-las, encontra-las no final do dia antes de dormir, e saber que no dia seguinte ainda seria assim. Em tempos de pandemia, para mim, chega a ser covardia ter que me pegar tendo que olhar a minha incapacidade de me permitir comemorar, felicitar. Porque afinal, o que há de ter nesse sentido agora?

Pois é, às vezes tem. Um amigo, a família, gente que realmente te ama, te gosta, te acompanha, te motiva.

Tem motivo.

Só que tem medo.

Então, tenho pensado todo esse tempo que talvez minha luta fosse para que eu e os meus pudéssemos ser felizes. É um ato político a pessoa prete feliz. É ir contra o extermínio da nossa comunidade, ir contra diversas maneiras de violência que nos impõe, que nos ensinam.

Veja bem, dentro desse trajeto sendo quem eu sou, entre tantos casos, eu percebi que tenho um padrão de autodestruição, e fui notando como é fácil me colocar nessa posição, mesmo de maneira inconsciente. A gente vai se odiando, a gente vai se destruindo, até que não reste nada. Mas, resta.

A dor é viciante quando aprendida tão cedo. Aí, que fica difícil para cabeça da gente assimilar o contrário, é o desconhecido que se veste de bonito, e a gente não quer porque talvez sinta como se ele fosse embora a qualquer momento, então, é melhor não ter, para não sofrer. E sofre mesmo assim!

A gente já sabe das duras falas da rejeição. A gente já sabe quando vai levar um não. Quando as portas vão se fechar sem que você ao menos tenha tempo de se defender, então, é melhor não ir atrás do que desconhece. Felicidade desconhecida, que parece até que tem um tempo de vida.

Aí, que você lembra da tua realidade e que nem sempre dá para contar com sorte, e que tem dias que tu não acha um norte, mas esses dias também acabam, não tem para sempre, não tem nunca, não tem tempo. Tem só a gente vivendo, na medida do possível.

O que eu quero dizer é que, eu mereço ser feliz, eu ‘to dizendo para Pamela ler várias vezes, que ela merece ser feliz. Eu estou dizendo para você que me lê, que você merece ser feliz, e comemorar isso sim! Os trajetos são estranhos, e haverão momentos que você não vai dar conta sim, e isso não deveria ser ruim.

Mas, aprenda a ser feliz.

Aproveitar o pequenos momentos de paz que o espírito te traz, assim como, muitas vezes aprendemos a sentir com tanto afinco os instantes de maior sofrimento.

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