UM OLHAR PARA A BRUXARIA FAVELADA

Pamela Ribeiro
3 min readJul 4, 2020

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Bruxaria é mágica e também política.

Preciso começar este texto deixando claro que, acaba sendo redundante dizer bruxaria como sendo marginal, já que a mesma vem daqueles que estavam à margem.

Em, “Mulheres E Caça Às Bruxas” de Silvia Federeci, diz-se:

“Não surpreende que muitas das supostas bruxas fossem mulheres pobres, que sobreviviam pedindo esmola de porta em porta ou viviam dos “impostos para pobres”, como foi chamado o primeiro sistema de bem-estar social introduzido na Inglaterra.”

E novamente:

“Na figura da bruxa as autoridades puniam, ao mesmo tempo, a investida contra a propriedade privada, a insubordinação social, a propagação de crenças mágicas, que pressupunham a presença de poderes que não podiam controlar, e o desvio da norma sexual que, naquele momento, colocava o comportamento sexual e procriação sob domínio do Estado”.

Ou seja, o que quero dizer com isso? A Bruxaria em si sempre esteve atrelada àqueles pouco abastados, a visão de uma crença que ia contra os valores cristãos era demonizada e consequentemente, qualificada como sendo, adivinhem? Bruxaria.

Assim, posso dizer que, ainda que nos gritem palavras de ordem, textos normativos, doutrinas muito enraizadas quanto a melhor maneira de se fazer e ser bruxe, não podemos esquecer do seu histórico.

Não, não somos netas das bruxas que foram queimadas, tomo o cuidado ao utilizar e reproduzir esse discurso, já que a minha vó preta, sofreu com o apagamento de sua religião e crença, se rendendo as normas sociais cristãs. Ainda que o pai dela, o vô, o tataravô cultuassem as religiões de matriz africana, a mesma sofreu com a invisibilização de sua crença raiz.

E quando falamos sobre isso, precisamos sim tratar das questões sócio-políticas quanto a espiritualidade da pessoa preta, marginalizada, e etc. E como ela se formula na mente dos demais, ainda hoje, com bases colonizadoras.

É necessário SIM o respeito com essa história, e como muitos dos nossos antepassados, principalmente, falando aqui como mulher e preta, há de a ver um olhar profundo e de respeito quanto a esse trajeto que eles arcaram para que eu estivesse falando, erguendo a voz, e praticando a minha magia atualmente.

Por este motivo, eu grito por mais BRUXARIA FAVELADA, BRUXARIA MARGINAL.

Hoje, vemos outros resquícios das movimentações coloniais dentro deste contexto, afinal, o passado se vai, porém, há uma atualização sobre as maneiras de opressão sobre pessoas marginalizadas no período que se encontram, como a hierarquização do conhecimento holístico, e como ele chega na periferia, isso se ele chega.

A questão aqui é clara, a bruxaria periférica é sobre as adaptações que nós que vivemos na comunidade fazemos para dar vida a magia no nosso cotidiano conturbado, e na maioria das vezes MUITO violento.

A Bruxaria Favelada é sobre nós que estamos pegando um buzão para ir pro trampo, e passar mais de 8 horas nesse mesmo trampo, e ainda dar nossos pulos no final do dia para manter a ritualística em forma, agradecendo aos deuses por mais uma semana, ou, sobre como no altar, a gente vai aproveitar e colocar ali, de coração, um tanto de natureza que achamos no trajeto para casa.

É sobre não ter o vinho mais nobre para oferecer para entidade, nem o livro mais importante para adquirir aquele conhecimento necessário, mas ainda assim, com o que puder entregar de maneira honesta as entidades a nossa verdade. Porque eu sempre me perguntei, “se eu não tiver essa bebida, será que… será que esse deus nunca mais vai olhar para mim? me ajudar?”.

Não é assim que funciona, até porque, não adianta nada oferecer do bom e do melhor para o mesmo, e na vida… no dia-a-dia, nem metade disso se sabe, não é mesmo?

Então, eu entendi assim, eu não tinha como ir ao centro da cidade para meditar naquelas regiões finas, medito aqui mesmo, em casa, com som de funk, forró, o que for, ainda assim, meditarei. Não tenho os vinhos, mas tenho a mente, tenho as folhas que encontrei por aí, então, oferecerei.

A Bruxaria Favelada é assim. E dessa maneira, entre tantas readaptações, nós construímos a nossa narrativa mágica, que não está em livros, está em nossa vivência. E jamais tirando a importância dos mesmos, okay?

Mas, a nossa subjetividade também deve ser levada em consideração para a nossa construção dentro da bruxaria.

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